terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Ressaca, maresia e fundo de baia.

parte 1: Construção e caos; retrabalho na linha de costa.

Água. Água salobra, gordurosa e abundante. Água espumante e um pouco mineral. Água viva e quente a minar de sua língua, garganta e céu, a transbordar das bochechas, incitando boca, cabeça, tronco, bacia e joelhos... Todos ao vômito.
Abraçada ao vaso sanitário, Camila se derretia e expurgava, quando não todos os líquidos, todos os vapores retidos em suas tripas. Tinha o ventre dolorosamente constrito, aliás, tinha pálpebras, dedos, pele, unhas e tudo mais constritos no afã de conter os solavancos propulsados por seu tubo digestivo. E mesmo com a consciência sedenta pela própria fuga, Camila se reservava o direito de impedir que seus olhos já vermelhos e lacrimados ao excesso também não saltassem para boiar junto com a gosma amarelada acumulada sobre a água da privada.
- Puta que pariu! Não agüento mais.
Esbravejou Camila se largando exausta no chão claro do banheiro.
Aquelas crises nunca tinham sido tão intensas, tão insuportáveis. Já tinha cortado quase todos os prazeres da vida: álcool; refrigerantes; cigarros; café; mulheres; frutas cítricas ao chantilly, mas isso ainda não bastava. Sua gastrite estava mais feroz do que nunca, com ares de ter vindo a mando de deus.
Ah, aquilo não era nada justo. Já não bastava ter sido relegada ao fel do preterimento após ser substituída por um lutador de sumô de São José do Ribamar? Já não bastavam as náuseas elementares de suas recentes lembranças? Não. Faltavam ainda muitas agulhas para completar a bruxaria que recaia sobre sua carne e vida. Com ainda 35% de seu corpo sadio, muitas dores ainda viriam a caminho.
- Vai pro inferno seu filho da puta!
Frase cuspida por Camila com os olhos fixos no teto do banheiro. Mas com quem ela falava? Por uns instantes ficou atônita. Na verdade ficou com o cú na mão. Temia que o teto se abrisse e dele partisse uma luz forte e uma voz sombria entoando: Blasfêêêêmia. Mas logo retomou o juízo. Não, nem deus nem papai Noel. Seu azar era seu mesmo e o teto não se abriu. Por ali ficou mais uns seis minutos até os espasmos de seu estomago darem uma trégua.
Minimamente recomposta da rotineira crise matinal, Camila se levantou, foi à cozinha, bebeu seu copo d’agua, comeu um crem cracker, foi para o quarto e acendeu seu cachimbo.
- No mínimo isso eu tenho direito.
Disse Camila com a voz embargada, contida na garganta prendendo imediatamente a fumaça de seu primeiro trago do dia.

continua na próxima parte.

3 comentários:

  1. "seu azar era seu mesmo e o teto não se abriu". profundo isso. ;-)

    ResponderExcluir
  2. Adorei esse texto! Essa erva faz bem pro estômago mesmo, foi o q me disseram. Mas tem q ser pura, pq aquelas misturebas com amônia e bosta de vaca não devem ser boas pra saúde.

    ResponderExcluir