terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Ressaca, maresia e fundo de baia.

parte 1: Construção e caos; retrabalho na linha de costa.

Água. Água salobra, gordurosa e abundante. Água espumante e um pouco mineral. Água viva e quente a minar de sua língua, garganta e céu, a transbordar das bochechas, incitando boca, cabeça, tronco, bacia e joelhos... Todos ao vômito.
Abraçada ao vaso sanitário, Camila se derretia e expurgava, quando não todos os líquidos, todos os vapores retidos em suas tripas. Tinha o ventre dolorosamente constrito, aliás, tinha pálpebras, dedos, pele, unhas e tudo mais constritos no afã de conter os solavancos propulsados por seu tubo digestivo. E mesmo com a consciência sedenta pela própria fuga, Camila se reservava o direito de impedir que seus olhos já vermelhos e lacrimados ao excesso também não saltassem para boiar junto com a gosma amarelada acumulada sobre a água da privada.
- Puta que pariu! Não agüento mais.
Esbravejou Camila se largando exausta no chão claro do banheiro.
Aquelas crises nunca tinham sido tão intensas, tão insuportáveis. Já tinha cortado quase todos os prazeres da vida: álcool; refrigerantes; cigarros; café; mulheres; frutas cítricas ao chantilly, mas isso ainda não bastava. Sua gastrite estava mais feroz do que nunca, com ares de ter vindo a mando de deus.
Ah, aquilo não era nada justo. Já não bastava ter sido relegada ao fel do preterimento após ser substituída por um lutador de sumô de São José do Ribamar? Já não bastavam as náuseas elementares de suas recentes lembranças? Não. Faltavam ainda muitas agulhas para completar a bruxaria que recaia sobre sua carne e vida. Com ainda 35% de seu corpo sadio, muitas dores ainda viriam a caminho.
- Vai pro inferno seu filho da puta!
Frase cuspida por Camila com os olhos fixos no teto do banheiro. Mas com quem ela falava? Por uns instantes ficou atônita. Na verdade ficou com o cú na mão. Temia que o teto se abrisse e dele partisse uma luz forte e uma voz sombria entoando: Blasfêêêêmia. Mas logo retomou o juízo. Não, nem deus nem papai Noel. Seu azar era seu mesmo e o teto não se abriu. Por ali ficou mais uns seis minutos até os espasmos de seu estomago darem uma trégua.
Minimamente recomposta da rotineira crise matinal, Camila se levantou, foi à cozinha, bebeu seu copo d’agua, comeu um crem cracker, foi para o quarto e acendeu seu cachimbo.
- No mínimo isso eu tenho direito.
Disse Camila com a voz embargada, contida na garganta prendendo imediatamente a fumaça de seu primeiro trago do dia.

continua na próxima parte.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Brainstorm apaixonado

Não sei, vamos ver no que vai dar...

Era a frase que ela sempre repetia quando pensava nos poréns...
Estranhamente esta frase a confortava.
Estranhamente, é confortável assumir que não se pode fazer nada na direção de um carro a aquaplanar.
Será assim a vida?
Um veículo a aqualanar?
Sim, sem direção, sem controle, sem essa falsa impressão de dono da história

Contava com a sorte. Como sempre contou.
A sorte salvou sua vida, ainda em seus primeiros dias.
Infecções, bronquite, otite, orfandade.
A sorte a brindou com pessoas
Amigos, amores, avós, pais
Também a brindou com horrores
Vistos por lentes de 3,75 graus de miopia

A sorte salvou sua vida, ainda em seus últimos dias
Amigos, amores, avós, pais, coração

Sim, seu coração
Tão palpitante que às vezes fugia do peito
Não, não senhor coração
Não corra por ai atrás de sua razão
Levante o dedo do meio bem na cara do tempo perdido
Você bate e pronto
Bate e pronto
Bate e ponto

Amo, logo existo.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Mudança de planos

Calmamente
abra os olhos, veja o rosa das nuvens espalhadas pelo céu
Veja a cor do sol pelas paredes
Ouça o barulho da rua
tente descobrir a hora pelo volume das buzinas
Ainda cedo?
Role na cama um pouco mais
Feche os olhos novamente, sinta preguiça por alguns instantes.
Sinta o calor da vida despertando para outros sonhos
Mexa seus quadris em um rumo delicado
Jogue a perna por cima
A segure, a abrace, a beije no pescoço e diga: bom dia.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Ainda sobre a precoce crise da meia idade

Sabe aquela gordinha com roupas da Xuxa, tarada toda a vida e que dizia: beijinho, beijinho, pau, pau?
Aquela, aquela...A...DONA CACILLLLDA, isso, Dona Cacilda. Não lembra?
Ah, não. Tudo bem, era só um exemplo para em seguida eu dizer: nossa, minha vizinha lembra ela. Aquela gorda de meio metro se achando a gostosa e tarando os peões da obra da Cedae em frente. Deus que medonho!
Não, não... Pior ainda... Sabe aquele cara, camelô de cervejas e refrigerantes com camisa paraguaia dos Lakes e cabelo canecalon? Canecalon, não sabe? Tipo... meio capitão Jack, meio Coalhada... Não lembra do Coalhada?? Chico Anysio, porra, não sabe também? Beleza, é antigo mesmo.
Mas enfim, era só mais um exemplo pra chegar e dizer que aquele cabelinho já deu, né? Só na cabeça do cara é que se combinam peruca de charutos e bigode malandrinho. Mon dieu!
Mas sabe de uma coisa pior... Olha essa é foda. Sabe esses velhos que dão passadas de no máximo 7º de abertura, andam a 20m/h e não pensam duas vezes antes de atravessar a rua com o sinal verde para pedestres piscando desesperadamente anunciando a brevíssima autorização para a passagem dos carros por cima de quem estiver no asfalto??
Ah, isso você sabe, né? Não tem como nunca ter reparado num véio assim na rua. Um véio genérico qualquer, trotando sem pulos na faixa de pedestres. Não? Nunca reparou?
Hum...É, às vezes a gente tá distraído e nem se toca das coisas da rua, né verdade?
Mas olha, tem uma parada que não dá pra não reparar. Sabe aquela gente com guarda-chuva aberto sob uma chuva imaginaria que caía, do verbo não cai mais, e só o retardado não reparou nisso? E o pior; não reparou que estava debaixo da marquise, não reparou nas pessoas na direção contrária, não reparou na altura de seu guarda-chuva alinhada aos olhos, testa, boca, cabelo e tudo mais dos ombros para cima daqueles em sua direção contraria.
Ah fala serio, você nunca foi alvejado por um patife desses, pra em seguida num universo paralelo perdido em sua consciência, enfiar aquela porra do guarda-chuva no cú do filho da puta e abrir e fechar, abrir e fechar, abrir e fechar, abrir e fechar...
Ah, isso você já reparou, né? Sabia, não tinha como não reparar. Com todo mundo acontece isso. Agora fala; não dá vontade de enfiar o guarda-chuva e abrir e fechar, abrir e fechar, abrir e fechar??
Não?! Dá não?! Nunquinha?!
Putz, acho que estou ficando velha.

(velha ao ponto de conversar com nabos e couves-flores)

Fim.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

“A precoce crise da meia idade” ou “Um quarto de idade envelhecida”

Noite de sexta-feira, jovens bebem cerveja barata e quente interditando a calçada com seus corpos pseudo-altivos. Caixas de som, às centenas, berram estranguladas por agudos mal equalizados de uma música pop qualquer.
Lazer?
Inferno. Diria o casal taciturno sob a luz amarela do poste da esquina com seus copos descartáveis em punho. Somados não atingem a marca de meio século, mas no meio da balburdia carioca anotam em seus caderninhos cada item do conjunto de exemplares do processo de debilidade humana corrente em nosso fim de século estendido.

Gente mais sem visão,
sem autenticidade,
sem conteúdo,
sem brio,
sem raciocínio,
sem retidão,
sem cultura,
sem atrativo,
sem sinapse,
sem cérebro,
sem higiene... deus, como fedem.

Repugnante; diriam e dizem.

Gente cheia de frescura,
de nariz empinado,
metida à gostosa,
gente fugaz,
superficial,
gente fútil,
gente massa de manobra,
gente pequena,
gente embebida em similares de perfumes importados,
gente plastificada em recortes da capa de “Caras” e maltrapilha de boca aberta.
Gente medíocre.

Preciso de sexo. Diria ele.
Eu também. Diria ela.

Desesperançados olham os milhares de indignos corpos a se rastejarem pela madrugada carregados de sujeira, drogas e música ruim.

Ninguém interessante,
ninguém atraente,
ninguém inteligente,
ninguém pertinente,
ninguém iluminado,
ninguém desmimetizado do cinza-choque-pink urbano,
ninguém afável,
ninguém amável,
ninguém pra me chupar.

Fim de noite interrompida, retorno ao lar cada qual. Retorno ao mesmo de sempre. Retorno ao mesmo ponto dividido em dois, minto, dividido em mil.

Masturbação, esperma e solidão. Diria ele.
Masturbação, gozo e frustração. Diria ela.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

AC/DC

(o relato de um afro-caucasiano-brasileiro na produção da capacitação de professores pelo projeto A Cor da Cultura)

Parte 1 – AC (antes da Cor da Cultura)
Meu nome é Tadeu Lima, sou produtor audiovisual, tenho 28 anos, sou branco, de olhos claros, cabelo castanho cacheado e sardas no ombro.

Sempre me disse branco. De fato não sei se houveram negros na minha familia, a nossa memória se perdeu. Certamente, algum de meus antepassados é negro. Como diz a marchinha de carnaval “o seu cabelo não nega...”. Mas o fato é que dos meus avós para trás, pouco ou nada se sabe. O que sei é que a família da minha mãe era do interior do Espírito Santo, da periferia rural de uma cidade chamada São José dos Calçados. A família do meu pai veio de Olinda-Pernambuco para o Rio de Janeiro, em busca de uma vida melhor. Típicos brasileiros.

Cresci entre negros e brancos, meu pai bebia uma cervejinha com os amigos de trabalho no fim de semana. Pra mim importava mais o fato de que estavam sempre falando alto... bebados na maioria das vezes.
Minha tia tem uma vizinha negra que é madrinha de seus filhos.
Volta e meia eu era “rezado” para curar o “quebranto” por uma negra gorda que muitos chamavam de “macumbeira”, mas que eu sempre encontrava nas missas.
“Comadre” e “Comprade”, era como todos nós chamávamos os pais de uma família que vivia numa grande casa num bairro arrumadinho da baixada fluminense: a Venda Velha. Perto do shopping, a promessa da linha dois do metrô até a Pavuna fazia da casa deste casal, em São João de Meriti, uma área nobre de se morar.
Isso é pra dizer do ambiente onde cresci. Brancos e negros iguais, com negros em situação econômica até melhor que a nossa. Ou seja: pra mim, negro nunca foi sinônimo de “menos”.

Fui criado na Igreja Católica, cresci na fumaça deixada pela Teologia da Libertação. Os reacionários do Vaticano já ampliavam seu controle, mas ainda havia muita comunidade de base espalhada pela Baixada Fluminense. Na paróquia da qual fazia parte, a catequista era uma senhora negra, orgulhosa de sua cor, mas com lindos cabelos alisados; nas missas, atabaques e pandeiros faziam parte dos instrumentos e vez ou outra aparecia um grupo fazendo uma tal de missa dos quilombos, ou missa afro-brasileira como ficou conhecido o movimento depois.

Estudei em escolas particulares durante todo o ensino fundamental e numa grande escola estadual durante o ensino médio. Numa época em que a Lei 10.639/03 ainda não existia. Pouco, ou quase nada, me foi dito sobre a África ao longo destes anos. Mesmo assim, sempre soube que o Egito é parte da cultura e história da África (apesar de boa parte da memória disso estar guardada em museus da Europa), sei o nome de uns 10 dos 54 países sem exigir muito da memória e que é o segundo continente mais populoso do planeta, sei ainda que dos 30 países mais pobres do mundo, pelo menos 20 estão na África...

Sempre achei a política de cotas para negros uma ação compensatória justa, é visível que os negros ainda são minoria na universidade.

Nunca julguei ninguém pela cor da sua pele. Nunca achei que eu era melhor que outra pessoa por causa do tom da minha pele. Nunca atravessei a rua no meio da madrugada imaginando que o negro na mesma calçada seria um bandido (e já fui assaltado várias vezes, por brancos e negros, por não mudar de calçada).

Enfim, cresci e formei minha personalidade num ambiente favorável às relações inter-raciais em igualdade de condições e direitos. Talvez por isso tudo tenha sido tão intenso estar na produção do projeto A Cor da Cultura. Eu, que nunca havia negado o racismo, passei a entender que mais que reconhecer que ele existe, é preciso superá-lo.


Parte 2 - DC (depois da Cor)
Fui chamado para fazer a produção das capacitações do projeto A Cor da Cultura, um projeto da Fundação Roberto Marinho que capacitou professores em vários estados brasileiros para uso de material pedagógico criado pelo Canal Futura visando aplicar a Lei 10.639/03, que institui a inclusão do ensino de História da África e História e Cultura Afrobrasileira no currículo do ensino fundamental e médio.

Num primeiro momento o que me chamou atenção foi o fato de viajar o Brasil pelo Projeto. Ir a Manaus, mesmo a trabalho, seria (e foi) uma experiência muito interessante, uma oportunidade de conhecer melhor o Brasil.
O projeto me levou a Manaus, Curitiba, Cuiabá, Londrina e Juazeiro do Norte.

Eu, branco, num projeto onde a maioria é negra, tratando um “assunto de negros”, causou estranheza. Por um instante de tempo bem curto, o olhar de alguns poucos foi de dúvida se eu realmente deveria estar ali, representando a instituição, falando em nome da produção do Canal Futura. Como se o fato de eu ser branco e de olhos azuis me tornasse menos apto para o trabalho no projeto, como se a escolha do canal em me colocar na produção do projeto estivesse equivocada. Afinal, não tenho a pele negra.
Esse jeito de olhar, esse pré-julgamento, me incomodou, mas durou por um tempo curto. Em alguns minutos meu jeito de trabalhar, meu lado divertido, cativara o grupo e eu já não era um “branco estranho”. Havia me tornado um pálido companheiro. E assim foi pelos últimos 45 dias.

Mas confesso que foi estranho sentir isso. Essa rejeição inicial, sem motivos, sem razão. Eu senti algo parecido com o que sentem os negros ao longo da vida. Senti o que muitos deles sentiram várias vezes ao serem impedidos de entrar numa agencia bancária pela porta “automática”; algo parecido com o que sentem os jovens negros numa entrevista de emprego quando sabem que perderão a vaga para o branco-de-olhos-azuis-sem-experiencia. Eu senti aquilo, por uma fração de segundos. E foi muito ruim.

Não estou querendo aqui dizer que sei com propriedade o que é crescer vendo os ídolos da tv nunca terem a sua cor. Não posso também dizer que foram inúmeras as vezes em que a porta do banco travou. Os táxis poucas vezes não pararam pra mim no meio da madrugada. Só me lembro de uma única abordagem onde o policial tenha sido menos gentil. Nunca percebi que alguém tenha mudado de calçada para me evitar. Poucas as vezes vaguei a procura de emprego. Conto nos dedos as vezes em que fui confundido com um vendedor de loja...
Não me entenda mal, amigo leitor, mas talvez estas observações possam parecer pequenas, preciso confessar que sempre me pareceram pequenas, afinal, eu nunca havia sentido o preconeito na pele. Nem por ser pobre, nem por ser gay. Mas, aquele olhar do primeiro encontro com a equipe. Aquela fração de segundos em que nada é dito e tudo é julgado, pela cor da pele... faz toda a diferença, e incomoda.

A mudança provocada pelo projeto A Cor da Cultura é uma espécie de conversão. Provocou mudanças intensas, reavivou utopias militantes, foi um divisor de águas. Acredito que não vou militar no movimento negro, existem outras questões que tocam diretamente no meu calo, e vou cuidar delas prioritariamente. Questões de gênero, o combate as DST’s, a violência e extermínio da população jovem, a vida política partidária, as reflexões sobre fé e cidadania, a ecologia... E nisso tudo, a militância negra é transversal.

Não dá pra continuar fazendo parte de uma sociedade que discrimina as pessoas em função da cor da pele, não dá pra continuar reproduzindo conceitos equivocados a respeito da presença negra no Brasil, não dá pra continuar marginalizando e ignorando a história e importância da população negra na identidade do povo brasileiro, não dá pra achar que temos o direito de não nos opormos às injustiças.
As pessoas do mesmo sexo tem direito de casar; as embalagens dos nossos produtos podem agredir menos o meio ambiente; podemos gastar menos papel, derrubar menos arvores; é preciso falar de sexo nas escolas, distribuir camisinhas entre os adolescentes; mulheres pobres podem parar de morrer em clinicas ilegais de aborto, a lei precisa garantir a dignidade das decisões sobre o próprio corpo; é preciso envolver-se na vida política do pais para que outros Tiriricas não sejam eleitos. E nisso tudo, a militância branca e negra é fundamental.

A Cor da Cultura me fez pensar em muita coisa. Cargas emocionais grandes, que me colocaram diante de situações novas, num momento em que muita coisa nova ta acontecendo na minha vida pessoal.
Ainda não sei qual é o próximo passo, mas sei que parado não dá pra ficar.

domingo, 10 de outubro de 2010

contando a verdade a vcs

eu sempre fui ruim com blogs. gosto de escrever e até escredito que escreva bem, mas esse compromisso de sempre escrever e publicar algo novo nunca foi bem o meu forte. já tive um alguns blogs e fotologs pessoais. quando criei o "não fui avisado" achei que ele seria o blog definitivo, mas estava enganado, aos poucos ele também foi sendo deixado de lado... daí, num dia em que precisava de atenção, fabi e drica me encontraram pra jantar e no meio de tantas conversas, resolvemos dar vida ao arlindo.

depois de alguns posts desencontrados, fica uma sensação de que não sabemos direito pra que lado o arlindo deve ir. era pra ser um blog de contos, mas todo mundo anda meio sem tempo de contar histórias...

e como eu nunca tive medo de mudar de ideia, to aqui pra dizer que o http://naofuiavisado.blogspot.com/ vai voltar. paralelo ao arlindo. publicando os mesmos textos lá e aqui. até que eu decida onde realmente quero firmar minha âncora literária...

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

as praticidades da vida sempre o alegraram:
o controle remoto, a escada rolante, o telefone sem fio.

mas, tinha preguiça de fazer café.
toda manhã, a mesma rotina:
olhava a cafeteira,
o filtro,
o pó.
pensava: vou passar na padaria.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Não é uma escolha
é uma prova de coragem
é se lançar no escuro sem cordas elásticas
não é esporte
é de verdade
e dói.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Putarias e analgésicos

Preferia não ter acordado naquele dia, ainda mais tendo sonhado com prazeres há muito não tidos. Estava infeliz, como noutras tantas vezes. Estava aflita, puta, atormentada. Com ânsias de vômito e choro, como noutras tantas vezes.

- Caralho!

E de repente soa um estrondoso som – Pá- quando uma chutada lixeira, obliquamente arremessada, vomita pela sala: papeis, cigarros, pilhas, pontas de lápis, garrafas de 500ml... todos indevidamente descartados.
Vista a entapetada bagunça, puta, ela se solta brusca sobre o sofá. A fadiga patológica denunciava ser aquele dia mais um a sobrar no calendário. Os ausentes se acotovelavam na sala miúda para lhe apertar os olhos, mas ela por mais que simulasse, não tinha mais sono com tantos sonhos pendentes, tinha apenas indisposição e náuseas.
Ao lado do toca discos, pensava, entre muitas sensações, sob qual silencio se meteria naquela manhã: Caetano; Beatles; Ella; Chico; suspiros; ou nada?
De pronto decidiu-se.
Acionado o mecânico braço, a porosa agulha quebrava miúda a mudez habitual da casa, para em seguida, logo em seguida, a música conurbar centrípeda os dispersos cômodos ao redor de seu giro.
As um tanto morosas, mas ainda mais temperamentais pernas, sentem na fibra de suas carnes o prenúncio do contágio, que é rápido, avassalador e fugaz, mas é audível. Não é loló. Ainda sobre as morosas, mas temperamentais pernas, invadidas na sua fibra pelo loló sonoro, as mesmas catapultam vigorosas as notas mais assanhadas, e chutam, e pisam e giram, e contraem-se. É a hora.
Já os braços: socam, puxam, jogam. Se erguem hora sozinhos, hora ao par, para retornar e emoldurar uma dança torta; coreografia de uma louca saída de um incêndio. É a musica.
O coração se perde na sua contagem, e só o modo “bass” latejante das caixas acusticas tem o poder de reger sangue e músculos. Paredes tombam maduras pela falta de rumo das coisas, enquanto cadeiras, panelas, meias, sabonetes, talheres, chinelos, estante, clipes de papel, escova de dente, geladeira, portas e janelas adornam agora sua nova casa; casa nova chegada feito bigorna cadente. É a musica, é agora.
Mas no rabo de um grande tempo atravessado, a melodia descansa muito antes da alma. O giro desacelera, o chiado abafa o grave, os rotacionais cômodos caminham para o repouso, o braço mecânico se recolhe, a maquina se cala e os pulmões expandem-se. É o começo, é o fim.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Um bom banho de banheira

Há algum tenho tido a ideia fixa de tomar um bom banho de banheira. Você deve imaginar que um banho de banheira não deva ser uma coisa que qualquer um faz todos os dias, não é um prazer tão acessível para as pessoas, muito menos pra mim. Mas devia ser. As pessoas deveriam ter direito a este prazer. O vale cultura deveria valer também para moteis somente para que as pessoas pudessem tomar um banho demorado numa banheira. De preferência de água morna. Sim, por que a água tem estar morna. Nem quente, nem fria. Morna. Invejo muitíssimo as regiões do mundo onde as casas já vem com uma banheira. Comprou a casa, ganhou a banheira. Muitas das casas aqui não possuem sequer um banheiro decente. As pessoas não entendem o valor de uma banheira.
Existem maneiras de tomar um bom banho de banheira. Para todas é necessário um ambiente ligeiramente silencioso. Não tem nada a ver com a besteira de hidromassagem. Hidromassagem não existe. A banheira te massageia, fazendo pressão na água de todas as direções sobre toda superfície do seu corpo. Isso é um banho de banheira. Hidromassagem só serve pra sexo.
Um banho de banheira é um processo meditativo. Ali você está o mais próximo daqueles maravilhosos noves meses que você passou submerso na água quente, naquele leve movimento. Na barriga da sua mãe.
Deve-se entrar na água lentamente, primeiro com a ponta do pé, como você vê nos filmes. A água não pode estar na temperatura ideal. Tem que estar mais fria que o ideal e cheia em pouco mais da metade. O choque térmico é o momento em que o seu corpo entende que ele não está mais no ar. Está água. Desansando.
Depois de entrar é muito importante relaxar. Seu corpo deve estar muito calmo para abrir a torneira do “quente” com precisão. Nem muito, nem pouco. De leve. Você pode sentir a água quente fazer alguma corrente. Finja que não é com você! Ao aquecer feche. Depois abra a “fria”. Depois feche. Abra. Feche.
Nunca tomei. To doida pra tomar.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

4h13. segunda noite de insônia

LEVANTOU DA CAMA pela terceira vez e foi até a cozinha. aquela era a segunda noite consecutiva em que arlindo não conseguia dormir. olhou pela janela. lá longe ele via a praia, mas o barulho era de uma cidade que parecia não dormir. pegou um copo de leite, ia colocar açucar e pensou "açúcar vai te fazer ficar acordado, estúpido".
segurava o copo, mas nao bebia. apenas olhava pela janela. erguido. com o copo na mão. na sua cabeça, uma dúvida: "coloco ou não açucar?"


COLOCOU AÇÚCAR. Resolveu não voltar pra cama. aquela mulher que estava deitada lá não merecia dormir junto de um ser insônico rolando de um lado a outro. notem que eu chamo de "aquela mulher" sem querer com isso diminuir a importancia da mesma ou expressar sentimento de desdém por "aquela mulher", mas é que nem mesmo arlindo sabia direito se ela era sua esposa, amante, namorada, irmã, empregada, vadia ou apenas um corpo qualquer, indiferente, amarrado à sua propria vida por um estúpido anel colocado no dedo de uma específica mão, que arlindo nunca se lembra exatamente qual é.


VIROU O ÚLTIMO GOLE de leite, acendeu um cigarro, ligou o computador e colocou o pau pra fora. não era sempre, mas arlindo consumia conteúdo erótico adulto. material muito tradicional. nada com animais, excesso de gente na mesma cena, exageros nos atributos fisicos, etc. acariciava-se vendo fotos e filmes de casais fazendo o sexo mais sem graça do mundo, como o que ele e aquela mulher deitada na cama do quarto, onde ele agora deveria estar dormindo, costumam fazer quando bebem algumas doses de pró-seco brindando o pré-sal.


APAGOU O CIGARRO. parou de se masturbar. os casais nos filmes gemem e gozam porque não são obrigados a ouvir barulho de carro e motores quando, lá no fundo, o que se vê, são as ondas quebrando nas pedras. eles fodem porque nos filmes eles não envelhecem, não existem mentiras, nos filmes as mulheres te olham quando estão te chupando, lá não existem problemas e não há preocupações. 
na verdade o problema é que arlindo sabia que filmes são apenas histórias. 


4H53. segunda noite de insonia. foi ao banheiro gozar e depois tentar dormir.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Num Canto qualquer

Canto
E num canto qualquer isolado do mundo
Quero apenas os não olhares dos amigos ou amores
Canto o exílio
Exílio para aqueles que não brindam mais
Exílio num canto sem letra
Exílio de cordas chorosas e declarantes
Canto o delírio de um mudo em prantos
E mudo o canto de um pássaro em queda

terça-feira, 10 de agosto de 2010

tem mais de duas horas que estou diante da tela em branco tentando pensar alguma coisa legal pra escrever aqui. drica, fabi e eu não definimos que este seria um blog de contos, mas fiquei preso ao formato depois de ler o que as meninas escreveram... tentei contar uma história que fosse uma parábola dos meus últimos dias, não ficou bom. tentei desenvolver um rascunho que fiz durante a semana, ainda não tá bom também. tentei achar uns textos antigos, republicar alguma coisa boa escrita há dois, três, cinco anos... os cadernos velhos simplesmente desapareceram...


a última semana foi realmente confusa. sei que vc leitor esperava encontrar um novo conto por aqui, mas tudo o que posso contar é que a cabeça está a mil por hora, pensamentos dispersos, pipocando aqui dentro. e, pra que a fila ande, eu precisava escrever algo. regras, elas harmonizam o caos e fazem dele o que ele é.


como é de imaginar, existe uma pressão para que eu publique algo. este foi o acordo.
recebi uma ligação ontem pela manhã, uns dois torpedos e ainda um e-mail.
o combinado foi claro: a fabi postaria o primeiro texto, a drica ficou de colocar a segunda atualização e como somos apenas três participantes neste coletivo, foi subentendido que o próximo seria eu.


mas... o que escrever? talvez apresentar a ideia do blog? ah, mas isso é assunto pra primeiro post e a fabi optou por não fazê-lo.
sem contar que somos ainda um blog sem rumo, talvez de contos, mas ainda sem rumo. a única regra é de atualizarmos um post por vez, seguindo uma fila indiana de produção literária.


e to eu aqui, na fila, de cara pro gol, sem conseguir ajeitar a bola pro chute.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Clarinha

Eu não andava de bom humor. Fazia com freqüência aquelas frases...como é que e o nome disso? Aquelas frases meio determinantes...sabe? aquelas coisas como “não é que eu não goste da minha cunhada, o que eu não gosto é de gente burra”...esqueci o nome disso. Tava ficando igual a minha mãe, mas um pouco mais triste. Cansado. Tirei o casaco assim que cheguei e dei um beijo nela. Óbvio que ela não falou nada. Há dias trocávamos apenas bom dia, oi amor e boa noite. Chegávamos ao estágio de que não adiantava muito conversar, já estava tão puto, nem isso eu queria. Férias talvez...uma viagem. Um final de semana em búzios, na praia, de frente pro mar. Comendo mel com torradas e uvas no café da manhã. Um maiô novo pra ela...Com que dinheiro? As vezes eu esquecia completamente de que era fudido. Alias, no passado não. Eu sou fudido. Uma situação que estende na minha vida. Nunca soube juntar dinheiro, fiquei velho sem ele. Mas também tava frio, eu ia viajar pra onde. Só se fosse pra Pavuna, de novo.

Fiz menção de deitar, pra descansar. Iniciar o processo sofrível de tirar item por item de cima da cama e afastar os cinzeiros fedorentos dela. Completamente maluca essa mulher. Incrível como alguém é capaz de fumar tanto e tomar suco de couve com laranja no final de semana.

Há dez anos ela fumava sem parar. Minha gastrite crônica sempre me impediu de desfrutar deste prazer. Aliás, a gastrite também me impediu de tomar alguns porres e de ficar mais de 40 minutos com um chiclete na boca. Até que agradeço. Mas, na hora de deitar desisti. Achei que seria divertido ver um pouco de televisão. Ledo engano.

Fui até a varanda para afogar as plantas. Elas já estavam molhadas, mas eu já estava com o pote cheio de água na mão, achei mais coerente derramar tudo nelas do que jogar fora na pia. Pura preguiça. Ela estava no banho, ouvindo música no radinho. Quis entrar. Entro, não entro. Da última vez tomei um esporro. Estava um frio do piru e agente sem cortina. Cheguei lá com a mão gelada no meu pinto quente. Deixei a porta aberta. Ela disse que não era assim, pra começar de novo, do início e me mandou fechar a porta quando sair. Quando sair? Saco isso nas mulheres, sabia? Sempre começar do início não dá. Agente já no meio e eu tendo que começar pelo beijo no pé?! Depois do banho o pé dela estava gelado e meu pinto mole. Desisti.

Dessa vez eu ia entrar, não custava arriscar. Bati na porta. Ela não ouviu. Ela fingiu que não ouviu, pêra aí, ela não estava ouvido o Pavarotti. Bati e ameacei entrar. Entrei. Que foi? Que foi o que? Por que você entrou assim? do nada? Silêncio. Aconteceu alguma coisa? Não, vim ver você.

Ela jogou aquele cabelão ruivo pra fora da cortina. Odiava o cigarro, mas amava aquele cabelo. Queria ele o dia inteiro. Mal sabia ela que eram aquelas imperfeições, nas quais ela era fissurada, que eu mais amava. Costas grandes pro tamanho dela, corpo forte. Não era aquelas mulherzinhas magrinhas, gostosinhas, tipo bem-sucedidas. Ela era só uma mulher. Ou melhor, era quase uma mulher. Ela me olhou de daquele jeito. Vi que ela queria. Entrei no Box com ela de costas. Beijei sei pescoço. Enlacei sua cintura. Peguei no seu pênis. Ela deixou. Ah, Clarinha.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Um certo desjejum salgado

O braço já dormente acorda o homem incomodado, que com dores no corpo por passar a noite encaixado numa estreita cama, se arrasta por debaixo de outro corpo, o mesmo corpo protagonista de seus sonhos mais recentes. Franzino e frágil, o tal corpo se enrosca com muita delicadeza àqueles braços cansados e frouxos de sono, a ponto de ser complicados demais aquela separação e o despertar para as coisas do dia. E assim, metade com sono, metade desperto, o homem vai ao encontro dos mesmos cachos, cheiro e pele com os quais cortou a noite.

- Acorda.

Sussurra o sujeito entre pequenos beijos ao redor daquela orelha de pontas avermelhadas. Uma pequeníssima e rala pelugem recobria a face de sua menina, dando-lhe um aspecto macio e aconchegante. E tal qual a orelha, nariz e lábios também eram bem rosados. Olhava com carinho aqueles lábios, nariz e orelha, tão rosadinhos, mas que ora se faziam avermelhados, ora laranjas... Tudo dependia daquela diária e pontual luz quase amarela que se espalhava pelo quarto. Mas por mais que a preguiça e as gostosuras da cama lhe prendessem ao sono, seu sonho já tinha se dissipado e não tinha mais como retornar a ele, ao menos não por hoje. Era hora de levantar, ou melhor, de despertar, e tinha a missão cruel de dar fim àquela noite. Um novo dia se levantava e todos nós estávamos convocados. Mas como acordar aquele outro ser, se nem ele estava certo de sua sobriedade?

- Acorda.

Sussurra o sujeito entre pequenos beijos ao redor daquela orelha de pontas avermelhadas. Mas estranhamente a moça rola sobre a cama e abraça o travesseiro, se fortificando beata por detrás do lençol repuxado. Seus quadris, para surpresa do homem, se fixam distantes e alheios a sua presença. Ossos, carne e pele, por ora nada lembram os lascivos convites, que quase naufragaram na noite anterior aquele sujeito de poucas mãos. Coincidência ou não, um vento rasteiro entra pela fresta inferior da porta. O lençol é fino. O quarto azula-se. Faz frio. A briga pela coberta e pelo lugar à cama perde o tom recreativo de horas atrás, parece que as coisas se tornaram sérias demais. Já se levantaram as trincheiras, o que falta para o conflito? As primeiras sansões já foram impostas, e em seu mundo onírico o homem não mais sentia aquele cheiro de pele feminina. O cheiro que lhe impregnava tinha sal e água e parecia mesmo que tinha tirado o dia para lhe afogar. De olhos fechados, o pobre sujeito tenta voltar ao sono. Quem sabe aquela manhã não passou de uma má continuação de seus sonhos, ou um olhar sonolento sob a luz errada?
Mas o sono não vem. E o pensamento não sabe driblar as perguntas lançadas por aquele corpo rijo, branco, frio e reservado, ali bem colado ao seu. Entediado pelo sol, há horas invasor do quarto, desiste de acompanhar o sono daquela mulher, de quadris rijos e emburrados.
Vou sair. Pensou o sujeito se desvencilhando de sua compartilhada nudez. E frente às obviedades, não tinha mais o que se perguntar, apenas voltar ao cotidiano.
Levanta da cama, escova os dentes, se veste, se calça e sai. Elevador, portaria, bom dia, faixa de pedestres e mais passos vesgos.
Mudo e com calafrios, estala sentado os dedos dos pés, e surpreso só então percebe seu paradeiro: de frente a um poluído mar urbanizado, mergulhado em gelados versos.